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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Somos tudo um povo só

Na última quinta-feira, dia 27, o eminente ex-vereador sebastianense, Luiz Leite Santana, o Zangado, ocupou o espaço do leitor deste ínclito jornal (Imprensa Livre) para defender a ampliação, ampla e irrestrita, do porto de São Sebastião; defesa feita com o denodo de um petroleiro que, embora esteja aposentado, sempre vestiu a camisa e empunha a bandeira da Petrobras.

Em sua exposição de motivos, porém, Zangado saiu do terreno das reminiscências históricas e de sua legítima aspiração de ver o porto ampliado, partindo para desancar os que são contrários à expansão do porto, em geral, e, particularmente, D. Antonio Colucci, o sumo mandatário do arquipélago mais cheio de perequeté e encantos do planeta azul, ao qual acusou de meter o bedelho onde não era chamado, “interferindo nos assuntos deste município [São Sebastião], a ponto de se reunir com o governador para discutir o porto de São Sebastião. Isto não existe”. Na opinião do Zangado, a ingerência nos problemas de interesse de outros municípios “não é elegante, não é ético e é desrespeitoso”. 

Zangado fala ainda na existência de um “grupo de iluminados pseudo-entendidos no que é bom para nossa terra, tentando a qualquer custo e de forma radical impedir qualquer avanço num progresso que lhes possa tirar o conforto pessoal”. Não é bem assim. Dos ambientalistas que se manifestaram em reunião realizada, no Teatro de São Sebastião, com o secretário estadual do meio, Xico Graziano, por exemplo, apenas o representante de uma entidade da sociedade civil se manifestou, peremptoriamente, contra qualquer tipo de ampliação do porto. Todos, incluindo o prefeito ilhéu, declararam aceitar a ampliação, desde que feita de forma sustentável, discutida com a sociedade, com o mínimo de impactos ao meio ambiente e ao turismo. 

Antes de prosseguir, antecipo que reservo ao Zangado profundo respeito e admiração, não só por sua trajetória política e profissional, como também pelo profundo e imenso conhecimento da cultura caiçara. É um homem de bem, íntegro e de bons princípios, mas não tem o apelido que tem a toa... 

A começar quer os ilhabelenses tem tudo a ver com o porto, Zangado, a começar que ninguém entra ou sai de Ilhabela sem passar por ele. E se tomarmos a péssima qualidade do serviço de travessia como referência do que nos reserva o futuro porto ampliado, aí meu Jesus!...

O fato, nu e cru, é que o porto de São Sebastião é um pedaço de Ilhabela. Não é só figura de retórica, não. Os milhares de metros cúbicos de pedras utilizados para a construção das rampas de acesso e atracação do porto foram retirados – única e exclusivamente e com muita dinamite – da Itapema, rochedo existente no Saco Grande, região central do arquipélago. Até um píer foi construído para a retirada das pedras, através de barcaças.

Igualmente, os milhares de metros cúbicos de areia utilizados na construção do porto foram retirados, também por barcaças, da praia do Pequeá, no setor sul do Saco Grande.

Outra coisa que precisa ficar clara, é que a ampliação portuária que se pretende realizar nos próximos anos envolverá a construção – por parte da Petrobrás – de duas novas plataformas de atracação de navios-tanques, o que significa um aumento de 50% da capacidade de carga e descarga do Tebar, que é setor privativo do porto sebastianense. Não podemos esquecer que, após a construção das quatro plataformas de atracação do Tebar hoje existentes, na segunda metade da década de 1960, Ilhabela teve que construir quilômetros de quebra-mar, para conter a erosão provocada pelas águas do Canal de São Sebastião, entre a Barra Velha e a Siriuba. Só para ter uma noção, depois da construção do Tebar, as águas do Canal engoliram um campo de futebol no Perequê e outro na Vila! Erosão que continua em curso na Praia do Engenho D’Água, onde não foi feito o quebra-mar.

Dos doze berços de atracação que a Companhia Docas de São Sebastião pretende construir, quatro vão avançar 70 metros Canal adentro, sendo que os outros oito deles avançarão muito mais, pois vão atrás de profundidades maiores visando atender navios de grande calado.

Certamente será necessário um estudo da interferência dessas obras todas – que incluem ainda uma base de apoio às plataformas da Bacia de Santos e uma marina de grande porte – na dinâmica hidráulica do Canal. A Cia Docas fez esse estudo? Como fazê-lo, se a Petrobras mantém seu projeto de expansão trancado a sete chaves e onze varas? 

Ainda em relação ao que tem Ilhabela a ver com o porto, das dezenas e dezenas – e bota dezenas nisso – de derramamentos de petróleo e outras gororobas ocorridos no Tebar, até o final da década de 1990, a grande maioria atingiu o arquipélago, mas, por baixo, por baixo, 85% deles não atingiram São Sebastião. Os que maiores estragos fizeram em São Sebastião foram derramamentos ocorridos em terra, e, mesmo alguns deles, atingiram Ilhabela, incluindo o maior derramamento de óleo ocorrido no Brasil em virtude de rompimento de oleoduto, no Costão do Navio.

Pelo visto, há inúmeros pontos a serem discutidos nessa questão da ampliação do porto. O que não pode é deixarmo-nos levar pelo bairrismo, o que é totalmente contraproducente, inútil e perigoso. 
O Zangado, por exemplo, é caiçara de Ilhabela, nascido no Rodamonte (bairro localizado no setor sul do arquipélago e cujo nome é um referência a um personagem de Camões), filho de família das mais tradicionais em ambas as margens do Canal de São Sebastião. Dessa mesma família é o atual presidente da Câmara de São Sebastião, Luiz Antonio de Santana Barroso, o Coringa, nascido em São Sebastião, mas com a parentada toda no ilhéu bairro do Portinho.

Meu filho e minha netinha, assim como milhares de ilhabelenses, nasceram em São Sebastião e foram registrados em Ilhabela.

A grande verdade é que nós, ilhabelenses e sebastianenses, somos tudo um povo só, só que vendo as coisas de diferentes lados do Canal cujo nome original é Toque-Toque."

Nivaldo Simões